sábado, 13 de outubro de 2012

Caminhadas


Tomou a mão do filho. Primeira vez que iria com ele ao colégio. Depois de um mês desempregado e sem perspectivas, a mulher decidiu que ele poderia ajudar mais em casa e com o filho.
Tomou o filho pela mão. Caminharam pelas quatro quadras até chegar à escola. Percebeu nesse momento o que já havíamos dito: era a primeira vez que iria com o filho até o colégio dele. O guri estava quase no fim da primeira série. O pai nem conhecia a escola ainda.
Quando o guri fez uma pergunta ao pai, que pensava absorto, e depois quando repetiu mais alto e o puxou pela mão, o pai olhou para a criança. Uma estranha sensação, um desconhecimento. Em outro momento de vida, teve esse desconhecimento ao se olhar no espelho. Aquele momento que todos nós temos, de ver nosso reflexo no espelho e não conhecer a pessoa, não reconhecer a pessoa, não perceber que somos nós que estamos lá dentro. Dessa vez, sem espelho, tinha o filho ali. Surgido dele, por ele. Mas quem era ele (quem era o filho, quem era ele próprio?).
Segundos ou milésimos de segundos depois do estranhamento, a revelação. A revelação não vem formulada em frase ou resposta. A revelação não vem em imagem. Ela vem num todo, completo, num inexplicável conhecimento que transforma o já sabido e tudo que se virá saber.
O portão da escola logo ali. O pai sentia vontade de não largar a mão do filho. Pela mão, tomava o filho, tomava a vida do filho e a sua própria. Como largar-se no exato instante em que tudo faz sentido.
Um pouco a frente do portão da escola, um homem grisalho, mas não muito velho. E sem que o pai percebesse o filho lhe largou a mão e cumprimentou o senhor dizendo: “ó, meu pai”. O senhor sorriu para o pai, que ainda sentindo a falta da mão sorriu de volta.
O guri entrou, o pai ficou na porta por cinco minutos, até todos entrarem. O guri já tinha desaparecido dentro da escola havia muito. “Primeira vez aqui né?” o pai assustado olha para o porteiro e responde, “sim, primeira”. “Ele está bem aqui, cuidamos muito bem deles”. O pai sorriu, realmente acreditando. “Vem, vamos dar uma olhada na escola”. O pai seguiu o porteiro, sem saber o motivo de ter seguido. O porteiro foi mostrando as dependências físicas, comentando sobre atividades, sobre professores e professoras, sobre a direção, chegou a apresentar a responsável pela merenda. Entre uma coisa e outra, ele dizia ao pai sobre como foi importante aquela escola na vida dele. Não havia estudado ali, e sim seus filhos. Um deles agora era professor na escola, trabalhavam juntos. "Eu acompanhei um grande número de professores, de crianças. Alguns a gente sabe por onde anda, marcaram a vida da gente. O corretor de imóveis de quem comprei, finalmente, a minha casa própria foi aluno aqui e eu vi crescer”. O pai olhou, nesse exato momento para o porteiro e este, percebendo o susto disse, “sim, eles crescem, vão embora e a gente vai junto, mas sem ir, o senhor entende?” O pai fez que sim com a cabeça.
Ao sair pelo portão, o pai olhou para o senhor, e disse: “obrigado pelo tour, professor”, e o senhor respondeu “sou só o porteiro”, e o pai completou “sim, obrigado professor”.

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