domingo, 3 de junho de 2012

Literatura em perigo (nº 2)*


Esses dias fiz um comentário com uns bolsistas de pesquisa meus que os deixou estupefatos. Fiz uma crítica ao estudo da literatura e os dois, como amantes da literatura ficaram horrorizados. Fiz como provocação e depois expliquei meio por cima. Mas resolvi escrever aqui, pois a crítica pode ter horrorizado a eles, mas a mim também, por decepção, por desacreditar. Eu sempre fui um amante da literatura e da criação literária.
Na verdade, me sinto bastante frustrado ao não ver um caminho, um percurso de estudo a seguir. São sempre os mesmos assuntos, as mesmas análises e o pior de tudo, as mesmas obras. E não sai disso, não sai de dentro da obra. O que é estranho, pois buscam as relações em todo o contexto de feitura e de leitura da obra, em alguns casos.  Minha maior crítica é uma falta de função do estudo da literatura. Fica uma discussão entre os mesmos, sobre os mesmos assuntos. Não sai daquele círculo. Enquanto isso, o mundo vai mudando, as pessoas se afastando da literatura, da criação, da análise. Quero deixar claro que ainda acredito em tudo isso: sei a função da arte, e da literatura. Mas não quero vê-la sendo praticada pelas mesmas senhorinhas, senhores e gurizada metida a culta (não gosto muito de generalizações, mas às vezes é bom pra provocar).
Provavelmente essa minha opinião é só um descontentamento momentâneo e preparatório para reflexão e ação.
Mas é que aqui na volta, onde posso aprofundar meu estudo em literatura, há o doutorado em História da Literatura da FURG (onde me graduei) e o Teoria da Literatura na PUCRS (onde fiz o mestrado). Na história da Literatura, achei que eu pudesse puxar algo relacionado com a educação, até porque a literatura trabalhada no ensino médio (lugar da literatura na escola) é essencialmente história da literatura. Mas aqui não se preocupam com isso, então nem fiz projeto nenhum pra tentar entrar. Na PUC quase entrei, mas na opinião da banca eu fiz um projeto grande pois eu tinha me proposto a escrever um romance e um roteiro ao mesmo tempo. Na entrevista ao dizerem que seria algo muito grande, diminuí pra escrever um roteiro. Mas na verdade acho que 4 anos (tempo de doutorado) é um tempo muito grande pra só escrever um roteiro. Posso estar errado, mas acho que eu poderia fazer as duas coisas. E por isso mesmo estou fazendo isso, há um mês. Dia primeiro de maio comecei um blog (que está fechado para alguns amigos, colegas e alunos) onde estou tendo as idéias da história, e pensando reflexiva e teoricamente sobre a criação do romance e do roteiro, que vão contar a mesma história mas cada um com suas peculiaridades artísticas. O projeto tinha outros problemas, ainda mais que eu fiz meio em cima da hora (mudei a ideia em cima do laço), além de eu não ter dedicação exclusiva para o estudo, mas o blog que estou escrevendo provavelmente seja um experimento meu pra ver se tenho esse pique.
Porém, me preocupou bastante saber de uma colega que faz mestrado na PUC, que houve uma discussão sobre a divisão das bolsas de pesquisa. O debate era que professores de outras linhas de pesquisa estavam “defendendo” que os alunos de escrita criativa não poderiam ganhar bolsa pois não era pesquisa. Como pode um estudioso de literatura achar que escrever não tem relação com a pesquisa, ainda mais como isso é realizado na pós-graduação, que é sempre embasada reflexiva e teoricamente? Quem defendeu isso estava numa defesa estritamente de sua produtividade científica, de conseguir mais bolsistas e não deu valor nenhum à LITERATURA. Não existe análise literária sem que antes haja a criação da obra. Ponto final.
Esse mesmo pensamento parece existir na História da Literatura. O que iria acontecer se a literatura parasse de ser feita, o que esses estudiosos iriam escrever, sobre o quê, do que viveriam, como seriam seus congressos sem objeto de estudo? Daí eu percebi que eu sou realmente muito ingênuo, pois não aconteceria nada. Nada mudaria. Os literatos em sua maioria não precisam da literatura nova, estão escrevendo sobre os mesmos autores, os mesmos livros e se bobear, têm escrito os mesmos artigos durante toda uma vida.
Onde vão trabalhar esses doutores em História da Literatura? Numa empresa? Numa grande multinacional? Num canal de televisão? Numa instituição voltada a pesquisa? Não, nada disso. O trabalho para um professor Doutor em Literatura é ser professor em uma universidade. E esse professor em universidade vai mostrar sua leitura a estudantes de filosofia? De engenharia? De medicina? De história, biologia, administração, economia? Não, professor de literatura dá aula em curso de letras, e a grande maioria dos cursos de letras no Brasil são licenciatura. Bacharelado é voltado a revisão, tradução, coisas assim. Não se forma críticos para empresas de comunicação. Alguns podem exercer essa atividade, mas poucos. E não como algo único. Então, invariavelmente o doutor em literatura será professor de estudantes que estão ali para serem professores de letras, de literatura. Então como pode não haver preocupação nenhuma com o ensino de literatura? Será isso uma certa tentativa de dar um outro valor a suas próprias atividades? Parece um certo preconceito com sua própria função. Eu via muito isso quando estudante e como professor de letras.
É uma pena, mas a desvalorização praticada pela sociedade acaba se identificando nos próprios profissionais da área.
De minha parte, estou aproveitando o susto dado nos alunos e propondo que apresentem o resultado da pesquisa através da criação de conto. Vamos ver. Por outro lado, ainda ressalto o valor da linha de escrita criativa da PUCRS e ressalto alguns trabalhos que estou vendo aqui pela FURG com autores novos. Só espero que não continuem circulando somente nas comunicações e servindo para fazer linha no lattes.



* O título desse texto é o mesmo do livro do Todorov, mas não foi baseado nele (mesmo que eu tenha lido e gostado bastante)

Um comentário:

  1. Sandro, gostei do texto, sabes que sei muito pouco de Literatura e aí que dou meu testemunho de graduada em Letras: da perspectiva histórica, da leitura dos clássicos, dos textos complicados sobre obras... restou muito pouco após dez anos de graduada. E pior! O amor pela literatura, razão do ingresso em Letras, se reverteu totalmente pela Linguística. Tive excelentes professores, mas a literatura foi vista sob uma ótica tão teórica, tão fria, que não quis mais brincar disso. Ironia do destino... hj sou professora de Linguística e ensino a parte bem teórica. Vai saber se na minha área não estou repetindo o que hj condeno em meus ex profs de literatura... não sei. Fiquei bem identificada com teu texto, quando comentas que na Literatura temos a tal "circularidade de informações", ou seja, o povo fala sempre dos mesmos tópicos e não dá devida atenção para autores contemporâneos ou para a criação literária. Na minha área, vejo algo similar, adoram falar em variação linguística, preconceito, ensinar ou não ensinar gramática. Chega! A linguagem é tão rica para fazermos sempre as mesmas perguntas repletas de respostas publicadas por tanta gente. Dá pra mudar de assunto? Vamos falar de linguagem com poder, ideologia, filosofia, identidade, cultura, música... na linguística e na literatura? Não gosto de expor argumentos, sabes disso, mas teu texto me instigou, me fez querer fazer algo diferente do usual, normal quando se trata de nós. Te amo. Bjão

    ResponderExcluir