No
dia 5 de junho, teve mais um sarau do Lalli aqui em Jaguarão. Pela segunda vez,
foi realizado na Casa de Cultura (a primeira foi durante a feira do livro do
ano passado).
O
evento estava muito bacana, com cenário e participações especiais, e com novos
alunos participando. O tema era Califórnia da canção, uma homenagem ao festival
que já não acontece há alguns anos. Logicamente, o gaúcho foi exaltado e
festejado, inclusive para dar uma visão deste ser a alunos de outros cantos do
país, como sugeriu a professora Ana Boéssio, a coordenadora do projeto.
Porém,
o que me incentivou a uma reflexão e a escrever aqui foi a história da criação
da Califórnia, como nos foi contado ali pelo comunicador Cleusomar Almeida. Segundo ele, um
grupo colocou uma canção nativista num festival de música realizado no Rio
Grande do Sul e alcançaram o terceiro lugar, e em primeiro lugar ficou um
samba. Cleusomar comentou então que os autores da canção ficaram descontentes,
principalmente por um samba ter sido o vencedor e não uma música daqui, das
nossas tradições e por isso criaram um festival só para canções nativistas.
Essa
afirmação é que me fez pensar.
Por
que a música gauchesca é daqui e o samba não?
Recentemente
um documentário (acasaeletrica.doc)
defende que o primeiro samba gravado no Brasil foi em Porto Alegre no ano de
1913 (quatro anos antes de Pelo telefone
de Donga, gravado no Rio de Janeiro). A
música foi gravada por dois mulatos gaúchos, Geraldo Magalhães e Nina Teixeira,
Os geraldos. Essa informação da
gravação é só um detalhe. Acontece que o samba, que todos sabem ter a
influência da música africana, é só uma parte da cultura influenciada pelo
negro, inclusive aqui no Rio Grande do Sul.
Não
estou dizendo que o samba surgiu no Rio Grande do Sul, só estou defendendo sua
importância e identificação conosco igualmente como em outros lugares. Afinal,
o nascido no Rio Grande do Sul é brasileiro também, então não importaria se o
samba surgiu no Rio de Janeiro ou em Sapiranga.
Muitos
podem afirmar que o Gaúcho (estou falando deste tipo cultural genérico, e não
do gentílico para todo e qualquer nascido no Rio Grande do Sul) é uma figura
que não é essencialmente brasileira. E nisso eu concordo. O Gaúcho é uma figura
transnacional, pois ele está presente na Argentina e no Uruguai também. Estou inclusive orientando um bolsista de
pesquisa sobre isso. Mesmo entendendo a diferença do Gaúcho, não posso entender
a afirmação de que só ele é representativo de nossa cultura.
Os
CTGs e todas essas tradições, a meu ver, estão identificados apenas com uma
parte de nossa população. O gaúcho (nascido no RS) é bairrista, orgulhoso de
sua terra e de suas “tradições”, mas eu sinceramente não entendo que todas
essas tradições sejam obrigatoriamente compartilhadas. Agora no facebook está
uma mania de colocar cartazes com os dizeres assim fala o gaúcho, ou no
Rio Grande do Sul é assim, e o pior de todos: desconfio de quem nunca... (fez tal coisa). Parece que somos todos
iguais, temos que ser assim e quem não é está errado, não presta, é “ilegal, é
imoral ou engorda”.
Não
acho a ideia do festival nativista algo ruim. Ajudou muito a fortalecer uma
característica cultural e um tipo de manifestação musical. Claro que como tudo,
tem prós e contras. Prós: muito músico se sustentava com as ajudas de custo dos
festivais, a criação de novas composições era incentivada (e não apenas as
músicas cover para animar o baile,
como acontece em outros gêneros musicais), mas como contra podemos apontar uma “pequena
máfia” (o jurado de um festival dava espaço para os amigos e depois esses
amigos, jurados em outros festivais, retribuíam a distinção), além das famosas músicas
de festival, aquelas feitas sob medida para o gosto do jurado.
A
cultura africana é uma parte da nossa cultura, amalgamada com a europeia e com
a indígena. É facilmente identificada na religião e na música, porém outros
setores receberam conhecimentos vindos da África, como culinária, engenharia,
medicina popular, etc. A música deve muito à nossa porção africana. Ainda que
tenhamos esquecido instrumentos como o Sopapo (surgido em Rio Grande e
Pelotas), o ritmo está aqui. Nosso samba é bom. E é tão nosso quanto a milonga.
De tudo
isso, quero deixar claro que dou valor para a música nativista. Na noite de
terça foram lembrados autores e músicas incríveis. Meu incômodo é com a
generalização e com a ideia que transparece do discurso tradicionalista de que
outra cultura não tem o mesmo valor, ou ainda de que aqui se tem mais orgulho
de ser o que se é. Não podemos confundir orgulho com vaidade exacerbada,
soberba. O Gaúcho e suas tradições são uma das figuras culturais desta terra
chamada Rio Grande do Sul, mas somos mais do que isso.
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