Quando as
pessoas dizem que não há nada pra fazer em um determinado lugar, em determinada
cidade, eu sempre fico pensando o que elas queriam que houvesse. Por exemplo, numa
das cidades em que morei e onde ouvi muitas vezes essa frase, eu sabia que
havia muita coisa a se fazer. Havia um mar a ser contemplado, ouvido,
respirado. Um cais. Havia exposições constantes de quadros, fotografias,
esculturas. Havia cinema, e espécies de cineclubes. Havia bares, músicos
interessantes que poderiam tocar músicas interessantes (nem que fossem seus
amigos, na casa de alguém). Aliás, uma cidade não muito grande onde os amigos
poderiam estar por perto. Não fosse
tudo-aquilo-que-todo-mundo-tem-que-fazer-sempre-e-que-nunca-deixa-tempo-para-nada.
Sim, sempre
temos um monte de deveres a fazer e nunca nos sobra tempo pra diversão, para
cultura, algo interessante. Mas as pessoas conseguem fazer coisas
interessantes?
Minha teoria é
simples. As pessoas dizem que não há nada para fazer, não porque realmente não
haja nada para fazer, mas simplesmente por elas não saberem fazer.
Do
que adianta haver exposição de pinturas, se não estamos mais acostumados a
perceber a diferença de traços entre artistas? Não sabemos distinguir uma
técnica da outra, ou sentir as nuanças de luz de uma tela a outra.
Qual
efeito tem um bar que traz bandas com repertório próprio e inédito, se quando
vamos ao bar apenas queremos encher a cara e “azarar” as gurias ou guris? Não
sabemos ouvir as músicas, os instrumentos, nem prestamos atenção nas letras.
Aliás, sabemos identificar rimas, encontrar ironias, figuras de linguagem ou
mesmo referências?
O
prazer está sempre associado a algo “comprável”. A nova tevê onde eu posso
movimentar a mão e mudar de canal sem precisar de controle remoto, o novo
celular onde eu posso olhar o face ou
postar algo no twitter. Tudo isso nos
dá prazer. Mas não encontramos prazer em olhar o mar. Olhar a rebentação das
ondas, ouvir o marulho, sentir o cheiro da água salgada, sentir na pele a água
fria.
Não
estamos dispostos a ficar sentado embaixo de uma árvore ouvindo o farfalhar,
percebendo a sombra da folha que vem e vai da frente do nosso olho. Não temos
prazer em apenas conversar com um amigo, sobre sonhos, sobre vontades, sobre
seus feitos, ouvir como foi seu primeiro dia de aula, quando sentiu medo de
verdade, como se deteve na frente do espelho em algum momento da vida em que
sentiu orgulho de si mesmo. Hoje só falamos sobre o time de futebol, um pouco
de política, dinheiro e claro, pessoas do sexo oposto.
As
músicas não dizem mais nada, não provocam, não deixam enigmas, não nos fazem
pensar. Apenas falam de baladas, de danças, de bundas, de camas.
Quem
encontra prazer em ler um livro, uma crônica, algumas notícias de jornal, ou
mesmo lê com mais atenção a mensagem de um amigo? Em algum momento estávamos
acostumados a ler cartas, e se fossem grandes, melhor ainda. Hoje, os e-mails
devem ser curtos, pois ninguém mais tem tempo de lê-los.
Não
estou falando de nostalgia. Não estou falando de como o tempo mudou as coisas,
como a vida ficou mais corrida. Estou falando de superficialidade. Estou
falando de falta de capacidade de interpretação. Estou falando do gozo
delimitado por consumo e sexo.
Também
não estou sendo romântico. Sentar embaixo da árvore daria o mesmo efeito do que
sentar embaixo de uma marquise e olhar o descascado do reboco da casa ao lado.
não importa muito, na verdade, o que está fora de mim, e sim, como eu leio o
que está fora de mim, como isso me constrói, me modifica, me ensina.
E
muito menos estou sendo acadêmico. Quando digo que não sabemos ler uma pintura,
por exemplo, não quero dizer que precisamos ter estudado sobre isso. Acredito
que na simples observação, cuidadosa e através do tempo, vamos percebendo as
coisas. Já vi em muitos documentários e em conversas onde pessoas muito simples
e sem estudo davam opinião, analogias e metáforas superiores a grandes poetas
eruditos, e definições sobre as relações humanas e em sociedade que não li em
grandes teóricos.
Não
é preciso ter uma casa de frente ao mar. Não estou falando em buscar o sonho
vendido em filmes norte-americanos ou com os pobres que saem do nada e ficam
famosos, geralmente pelo futebol, música ou BBB aqui no Brasil (e que, nas
entrevistas para o Faustão sempre nos dizem: não desistam de seus sonhos...).
Na
nossa sociedade de consumo, aquilo que não tem preço significa não ter valor.
Ou terá valor se for relacionada com o cartão de crédito que compra todas as
outras coisas.
Mas
ainda há aqueles que sabem que há muito a se fazer, em qualquer lugar. Mesmo
numa cidade “sem nada a se fazer”, sempre há uma rua, uma árvore, um amigo que
compõem, escreve, pinta, ou que ainda tem uma vida rica de acontecimentos para
contar e compartilhar.