domingo, 16 de setembro de 2012

Desconfio quando se diz que não há nada de cultural para fazer


Quando as pessoas dizem que não há nada pra fazer em um determinado lugar, em determinada cidade, eu sempre fico pensando o que elas queriam que houvesse. Por exemplo, numa das cidades em que morei e onde ouvi muitas vezes essa frase, eu sabia que havia muita coisa a se fazer. Havia um mar a ser contemplado, ouvido, respirado. Um cais. Havia exposições constantes de quadros, fotografias, esculturas. Havia cinema, e espécies de cineclubes. Havia bares, músicos interessantes que poderiam tocar músicas interessantes (nem que fossem seus amigos, na casa de alguém). Aliás, uma cidade não muito grande onde os amigos poderiam estar por perto. Não fosse tudo-aquilo-que-todo-mundo-tem-que-fazer-sempre-e-que-nunca-deixa-tempo-para-nada.
Sim, sempre temos um monte de deveres a fazer e nunca nos sobra tempo pra diversão, para cultura, algo interessante. Mas as pessoas conseguem fazer coisas interessantes?
Minha teoria é simples. As pessoas dizem que não há nada para fazer, não porque realmente não haja nada para fazer, mas simplesmente por elas não saberem fazer.
               Do que adianta haver exposição de pinturas, se não estamos mais acostumados a perceber a diferença de traços entre artistas? Não sabemos distinguir uma técnica da outra, ou sentir as nuanças de luz de uma tela a outra.
               Qual efeito tem um bar que traz bandas com repertório próprio e inédito, se quando vamos ao bar apenas queremos encher a cara e “azarar” as gurias ou guris? Não sabemos ouvir as músicas, os instrumentos, nem prestamos atenção nas letras. Aliás, sabemos identificar rimas, encontrar ironias, figuras de linguagem ou mesmo referências?
               O prazer está sempre associado a algo “comprável”. A nova tevê onde eu posso movimentar a mão e mudar de canal sem precisar de controle remoto, o novo celular onde eu posso olhar o face ou postar algo no twitter. Tudo isso nos dá prazer. Mas não encontramos prazer em olhar o mar. Olhar a rebentação das ondas, ouvir o marulho, sentir o cheiro da água salgada, sentir na pele a água fria.
               Não estamos dispostos a ficar sentado embaixo de uma árvore ouvindo o farfalhar, percebendo a sombra da folha que vem e vai da frente do nosso olho. Não temos prazer em apenas conversar com um amigo, sobre sonhos, sobre vontades, sobre seus feitos, ouvir como foi seu primeiro dia de aula, quando sentiu medo de verdade, como se deteve na frente do espelho em algum momento da vida em que sentiu orgulho de si mesmo. Hoje só falamos sobre o time de futebol, um pouco de política, dinheiro e claro, pessoas do sexo oposto.
               As músicas não dizem mais nada, não provocam, não deixam enigmas, não nos fazem pensar. Apenas falam de baladas, de danças, de bundas, de camas.
               Quem encontra prazer em ler um livro, uma crônica, algumas notícias de jornal, ou mesmo lê com mais atenção a mensagem de um amigo? Em algum momento estávamos acostumados a ler cartas, e se fossem grandes, melhor ainda. Hoje, os e-mails devem ser curtos, pois ninguém mais tem tempo de lê-los.
               Não estou falando de nostalgia. Não estou falando de como o tempo mudou as coisas, como a vida ficou mais corrida. Estou falando de superficialidade. Estou falando de falta de capacidade de interpretação. Estou falando do gozo delimitado por consumo e sexo.
               Também não estou sendo romântico. Sentar embaixo da árvore daria o mesmo efeito do que sentar embaixo de uma marquise e olhar o descascado do reboco da casa ao lado. não importa muito, na verdade, o que está fora de mim, e sim, como eu leio o que está fora de mim, como isso me constrói, me modifica, me ensina.
               E muito menos estou sendo acadêmico. Quando digo que não sabemos ler uma pintura, por exemplo, não quero dizer que precisamos ter estudado sobre isso. Acredito que na simples observação, cuidadosa e através do tempo, vamos percebendo as coisas. Já vi em muitos documentários e em conversas onde pessoas muito simples e sem estudo davam opinião, analogias e metáforas superiores a grandes poetas eruditos, e definições sobre as relações humanas e em sociedade que não li em grandes teóricos.
               Não é preciso ter uma casa de frente ao mar. Não estou falando em buscar o sonho vendido em filmes norte-americanos ou com os pobres que saem do nada e ficam famosos, geralmente pelo futebol, música ou BBB aqui no Brasil (e que, nas entrevistas para o Faustão sempre nos dizem: não desistam de seus sonhos...).
               Na nossa sociedade de consumo, aquilo que não tem preço significa não ter valor. Ou terá valor se for relacionada com o cartão de crédito que compra todas as outras coisas.
               Mas ainda há aqueles que sabem que há muito a se fazer, em qualquer lugar. Mesmo numa cidade “sem nada a se fazer”, sempre há uma rua, uma árvore, um amigo que compõem, escreve, pinta, ou que ainda tem uma vida rica de acontecimentos para contar e compartilhar.

7 comentários:

  1. pô, que baita texto. E, para confirmar tua "teoria", acredito que pouca gente leu. Vou passar adiante.

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  2. Sempre pensei isso e tu roubou as palavras de mim, espere os meus advogados entrarem em contato!

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    1. Pois é..., rs. Esses dias ainda comentei com o Everton Cosme que nós, por estarmos no meio de artistas, entendemos tudo isso. É uma facilidade ter amigos que ajudam nas leituras do mundo!

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  3. Adorei o texto, Sandro. Na medida certa. Concordo plenamente contigo. Os valores do bonito, do querer e do olhar, estão totalmente distorcidos. Mas, de certa forma, eu entendo essa "maioria". Hoje, olhando para trás posso te dizer que sou uma pessoa composta por esses dois mundos. Lindo texto. Abraço.

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