sábado, 13 de outubro de 2012

Caminhadas


Tomou a mão do filho. Primeira vez que iria com ele ao colégio. Depois de um mês desempregado e sem perspectivas, a mulher decidiu que ele poderia ajudar mais em casa e com o filho.
Tomou o filho pela mão. Caminharam pelas quatro quadras até chegar à escola. Percebeu nesse momento o que já havíamos dito: era a primeira vez que iria com o filho até o colégio dele. O guri estava quase no fim da primeira série. O pai nem conhecia a escola ainda.
Quando o guri fez uma pergunta ao pai, que pensava absorto, e depois quando repetiu mais alto e o puxou pela mão, o pai olhou para a criança. Uma estranha sensação, um desconhecimento. Em outro momento de vida, teve esse desconhecimento ao se olhar no espelho. Aquele momento que todos nós temos, de ver nosso reflexo no espelho e não conhecer a pessoa, não reconhecer a pessoa, não perceber que somos nós que estamos lá dentro. Dessa vez, sem espelho, tinha o filho ali. Surgido dele, por ele. Mas quem era ele (quem era o filho, quem era ele próprio?).
Segundos ou milésimos de segundos depois do estranhamento, a revelação. A revelação não vem formulada em frase ou resposta. A revelação não vem em imagem. Ela vem num todo, completo, num inexplicável conhecimento que transforma o já sabido e tudo que se virá saber.
O portão da escola logo ali. O pai sentia vontade de não largar a mão do filho. Pela mão, tomava o filho, tomava a vida do filho e a sua própria. Como largar-se no exato instante em que tudo faz sentido.
Um pouco a frente do portão da escola, um homem grisalho, mas não muito velho. E sem que o pai percebesse o filho lhe largou a mão e cumprimentou o senhor dizendo: “ó, meu pai”. O senhor sorriu para o pai, que ainda sentindo a falta da mão sorriu de volta.
O guri entrou, o pai ficou na porta por cinco minutos, até todos entrarem. O guri já tinha desaparecido dentro da escola havia muito. “Primeira vez aqui né?” o pai assustado olha para o porteiro e responde, “sim, primeira”. “Ele está bem aqui, cuidamos muito bem deles”. O pai sorriu, realmente acreditando. “Vem, vamos dar uma olhada na escola”. O pai seguiu o porteiro, sem saber o motivo de ter seguido. O porteiro foi mostrando as dependências físicas, comentando sobre atividades, sobre professores e professoras, sobre a direção, chegou a apresentar a responsável pela merenda. Entre uma coisa e outra, ele dizia ao pai sobre como foi importante aquela escola na vida dele. Não havia estudado ali, e sim seus filhos. Um deles agora era professor na escola, trabalhavam juntos. "Eu acompanhei um grande número de professores, de crianças. Alguns a gente sabe por onde anda, marcaram a vida da gente. O corretor de imóveis de quem comprei, finalmente, a minha casa própria foi aluno aqui e eu vi crescer”. O pai olhou, nesse exato momento para o porteiro e este, percebendo o susto disse, “sim, eles crescem, vão embora e a gente vai junto, mas sem ir, o senhor entende?” O pai fez que sim com a cabeça.
Ao sair pelo portão, o pai olhou para o senhor, e disse: “obrigado pelo tour, professor”, e o senhor respondeu “sou só o porteiro”, e o pai completou “sim, obrigado professor”.

sexta-feira, 28 de setembro de 2012

Versões para música Portos

     Explicando rapidamente. Quando nosso grande amigo Oscar Amarante (o Bubble) faleceu, quisemos fazer uma homenagem. Por isso nós,  os ex-companheiros de Azul Revés, decidimos tocar uma canção na despedida. Escolhemos a música Portos por ter uma letra que fala de partida prematura, quando o eu-lírico diz que se um dia o corpo resolver ficar, ele vai seguir.
     Na hora todo mundo cantou junto, e chorou junto logo depois. Era uma música (no disco) com uma forte influencia do baixo, logo no início. A música começava com o Oscar e ficou marcada por ele. Depois desse dia, fiquei muito tempo sem tocá-la, e quando finalmente voltei a tocar, troquei partes da letra e ritmo.
     Esse ano, gravei essa versão (mais calma, a litorânea) e logo depois fiz uma outra versão mais bruta, onde cada instrumento foi tocado uma vez só. Chamei essa versão de versão pampeana.
     Abaixo link para essas duas versões e a letra (da versão antiga).
     Essa música eu compus quando eu tinha 17 anos.

http://soundcloud.com/onomondi/portos-litoral

http://soundcloud.com/onomondi/portos-pampa



PORTOS
Guardo segredos que guardo comigo
Viajo estradas sem caminho certo
Espero chegar a um lugar conhecido
Me afastando de tudo que conheço.

Não sei se o que faço faz sentido
Mas faço por sentir ser o que sinto
Não presto atenção ao que é convencionado
Certo ou errado, sigo meu caminho.

Liberto de agonias e com a alma limpa
Desperto para a vida por todos meus passos
E ao desprezar o que realmente não faz sentido
Escolho os caminhos de olhos fechados.

Se um dia meu corpo parar em algum lugar
E sentir que deveria andar mais
Deixarei meu corpo descansar em paz
E seguirei meu caminho, como sempre fiz.


Onomondi - Cantiga de ninar nº 5

Aí está a primeira canção e o primeiro videoclipe do Onomondi. Todo o processo foi feito de forma individual (menos os atores do vídeo, claro). Nos próximos dias mais dois arquivos de áudio virão à superfície da nuvem internética. Uma prévia do álbum que está sendo preparado.
Composição (letra e música), execução dos instrumentos, gravação e edição do áudio  gravação e edição do vídeo por ONOMONDI.

Vídeo realizado para exibição no Balbúrdia do dia 28/9/2012, na UNIPAMPA Campus Jaguarão.


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quarta-feira, 26 de setembro de 2012

15 anos de gravação do Caminho in verso. Dia 5



No último dia gravamos os vocais de algumas músicas. Foi um dia cansativo e tenso, pois percebemos que não poderíamos estar junto na mixagem, não teríamos tempo (na verdade acabamos as gravações no meio ou fim de tarde, mas não daria tempo de mixar). Como a gente queria pressa em lançar o cd (gurizada boba) e não tínhamos dinheiro para voltar e acompanhar a mixagem, acabamos não fazendo parte dela, o que foi um grande erro.
A maioria dos vocais eu gravei no escuro. A sala de gravação era bem grande, então eu pedi para apagarem a luz. Eu via os guris lá do outro lado do vidro, mas eles não me viam. Foi uma estratégia para ficar mais livre e tranquilo. Claro, que quando gravava vocal a tarde isso não adiantava, mas não foi um problema. Depois o Marcião dizia que eu era mentiroso, pois na música La banda y la orquestra eu dizia que tinha medo de escuro, mas não tinha.
               Chegamos a pensar numa musiquinha engraçadinha com os bordões que criamos durante os dias de estúdio (um deles era do Marcião com voz bem grave e alta dizendo “e aí MEU!”). A música tinha a letra mais ou menos assim: “e aí meu, e aí meu e aí meu!” Na verdade era bem assim mesmo. Seria uma música escondida, mas acabamos não gravando (eu tinha esquecido completamente dessa história, acabei de lembrar, inclusive da melodia).
               Acho que gravei Azules Revés nesse dia também (a voz) pois a letra eu fui terminando no estúdio, não estava completa (lembrando que essa canção começou a ser composta no primeiro dia de ensaio da banda).
               Por fim, a última música a ficar pronta foi mesmo O caminho inverso quando eu e o Charly colocamos quatro vocais cada um na parte final.
               Terminamos esses 5 dias exaustos. No sábado as 4 da manhã acordamos para viajar de volta a Rio Grande, chegamos, ficamos algumas horas na cidade e partimos para Pedro Osório fazer um show (tocando covers). Esse show foi o restinho de dinheiro que precisávamos para pagar os custos da gravação. Antes do show, ainda em Rio Grande, nossos familiares nos perguntavam se havia acontecido alguma coisa errada, pois a gente estava tão cansado que parecíamos tristes. Antes do show a gente só ficava deitado na sala do pessoal que nos contratou. Eles até se assustaram se a gente ia conseguir, de tão cansados. Mas conseguimos. Quando entramos no palco fizemos um bom show, e o Charly ainda teve disposição de chutar uma enorme bola de plástico na cabeça de uma guria na plateia. Mas isso já é uma outra história.

Abaixo link para vídeo da banda tocando Minhas Canções ao vivo na FEARG em 2008.

terça-feira, 25 de setembro de 2012

15 anos da gravação do Caminho in verso. Dia 4

No dia 25 de setembro de 1997 gravamos alguns vocais, teclados, violões e guitarras.

     Nesse quarto dia gravei os teclados de Pra quem chegar. Gravei com um teclado korg e com o meu roland. Nós tínhamos dois técnicos de som, um ficava durante o dia e o outro a noite. O do dia era bem cri-cri (segundo ele) e o outro mais relax. O dia era guitarrista, por isso as guitarras eram gravadas com ele. 
    
    Como eu havia dito antes, Pra quem chegar era uma das músicas que eu achei que não iríamos conseguir aprontar ou deixar boa pra colocar no cd. Mas aos poucos ela foi se transformando. Quando o Patrício (o técnico do dia) ouviu os violões que o Charly havia gravado a noite achou que a gente tivesse um violão de nylon, por causa do som. Na verdade a única diferença é que nessa o Charly usou os dedos e não palheta. 
      
      Eu gravei o solo dessa música (no final) com o piano do korg (um timbre muito bonito, por sinal) e usei uma escala diferente o que a meu ver enriquecia a música, mas para o técnico não deixava a música tão pop. Na verdade ele não tinha gostado. O Oscar foi o primeiro a defender que ficasse assim e no fim o solo não foi regravado e ficou na música (apesar de que o Patrício, na mixagem, acabou deixando ele meio baixinho)

     Outro ponto crítico nesses últimos dias de gravação eram as vozes. Na quarta feira, dia 24, ficamos gravando as vozes até as duas da manhã (do dia 25, portanto). No outro dia as sete estávamos acordados já para seguir gravando. Os dias em Santa Maria estavam muito quentes. O estúdio tinha ar condicionado (por causa do equipamento) e isso foi estragando nossas vozes. E eu e o Charly estávamos o tempo todo no estúdio, pois tínhamos ficado de ajudar na produção, ouvindo a gravação dos colegas. 
     
     Sei que no final desse dia percebi que Pra quem chegar iria conseguir ir para o cd. Mas começamos a nos preocupar com a música O caminho inverso pois tínhamos que fazer um monte de vozes, e a gente (eu e o Charly) já estávamos quase sem. 
     

segunda-feira, 24 de setembro de 2012

15 anos de gravação do Caminho in verso. Dia 3

24 de setembro de 1997. Terceiro dia de gravação do albúm O caminho in verso da Azul Revés. Esse dia teve bastante guitarra (manhã e tarde) e a tarde teve violão. No fim da noite foi quando gravei os primeiros teclados.
Segundo dia com gravação de guitarras, lembro do som de uma das guitarras de Não faz sentido nosso reggae metal (tinha até pedal duplo de bumbo nesse reggae) na hora da gravação, o marcinho estava tocando sentado ao lado da mesa de som (usava simulador de valvulado ou algo assim) e na hora se levantou e todos nós estávamos ouvindo (e não por fones) e a altura fez parecer que a distorção nos pressionava contra a parede. O Marcião sempre lembra de que estava deitado a tarde no alojamento (ao lado do estúdio) e acordou com o solo de Blue Nuit e se encantou.
Os violões foram gravados a maioria no início da noite, pelo Charly. A peculiaridade é que ele tocava duas vezes cada música, pois ia um violão para cada canal do estéreo, preenchendo mais a música. Como o Charly tocava violão em umas oito músicas, ele teve que tocar umas 16 vezes pelo menos. Saiu com a mão dormente também.
E no fim da noite gravei os primeiros teclados. Provavelmente Azules Revés e Pra tudo há um fim foram os primeiros, pois foram com o meu teclado. No outro dia toquei com outros, lá de amigos do pessoal do estúdio.
Até esse terceiro dia eu estava com medo de que duas músicas não conseguíssemos terminar ou gravar de uma forma decente: O mensageiro da Ilusão e Pra quem chegar. A primeira música, por causa da batida diferente da batera (pelo dedo inchado do Marcião) e a segunda porque não tínhamos um fim pra ela, o pessoal do estúdio dizia que era grande e além disso o baixo do Oscar tinha dado problema na hora de gravar (empenado). Mas no dia 25, algumas coisas se encaixaram. Mas isso é assunto para amanhã.


Abaixo, La banda y la orquesta ao vivo na FEARG, Rio Grande, julho de 2008
http://www.youtube.com/watch?v=IWihlPo2e6c

Esse vídeo faz parte de material de memória da banda Azul Revés, da cidade do Rio Grande, RS. O Azul Revés existiu de maio de 1997 a setembro de 2001. Esse show foi um reencontro comemorativo em 2008.  A única intenção do vídeo é fazer homenagem aos 15 anos de gravação do primeiro cd (O caminho in verso). Apesar da simplicidade das imagens e edição e das deficiências de áudio (tá misturado o som de câmera com o gravado da mesa), vale a pena pelo registro.

domingo, 23 de setembro de 2012

15 anos da gravação de Caminho in verso. Dia 2

     No segundo dia teve a gravação das baixarias do Oscar Bubble. Matou praticamente todas de primeira, sem precisar repetir, sem errar. Acho que o maior problema foi em uma ou duas músicas, uma delas era Pra quem chegar, só que não foi pela execução e sim problema no baixo. Se descobriu que o baixo do Oscar tava empenado e por isso estava desafinando quando tocava depois da 7ª ou 8ª casa.
     Nesse dia devemos ter começado algumas guitarras, depois da gravação dos baixos, e no final da noite (quando mudava o operador de som) acho que gravamos alguns violões.

     Abaixo, mais um trecho do primeiro ensaio realizado em 2008 para o show da FEARG. Nesse vídeo os primeiros segundos é de música (Blue Nuit) e depois é conversa para tentar fazer o repertório, claro, regado a muita brincadeira entre os músicos.


sexta-feira, 21 de setembro de 2012

15 anos do primeiro disco da Azul. Dia 1.


Oito horas da  manhã do dia 22 de setembro de 1997. Começamos a arrumar a bateria para a gravação do disco O caminho in Verso. O pessoal do estúdio achava que 14 músicas era muita coisa para se gravar em uma semana. O primeiro dia era reservado para gravar TODAS as baterias. Começamos a gravar só a tarde, se não me engano. Só sei que o Marcião ficava dentro do estúdio e nós do outro lado do aquário, ao lado da mesa de som, tocando junto. Foi a proposta do pessoal do estúdio, mas não foi algo muito esperto, pois a cada erro tínhamos que tocar tudo de novo, todos. O melhor teria sido fazer uma guia de violão e voz, como foi em outras gravações.
De qualquer forma, o Marcião, a cada vez que tocava, saía da sala de gravação e vinha para a da mesa e queria ouvir. O operador da mesa e alguns da banda, diziam para ele ficar e gravar outra, para não perder tempo, mas ele sempre queria ouvir se estava bem.
Foram nove horas tocando! Na última música a ser gravada (O mensageiro da ilusão), o Marcião estava com o dedão (de uma das mãos) inchado. Na verdade a mão estava inchada. Ele não conseguia tocar a música que tinha muitas quebras no ritmo. Ao final, acabou fazendo um ritmo mais reto. Na minha opinião, a música ficou bem melhor com a nova batida (e acho que a maioria gostou também).

Abaixo, o primeiro vídeo dessa semana de homenagem. A música que deu nome (ou quase) ao disco.

Em homenagem aos 15 anos de gravação do disco "O caminho in verso".
Ensaio realizado em maio de 2008. Era para show em julho na FEARG, e que iria preparar show maior (no teatro provavelmente) para uma reunião comemorativa. Infelizmente, o show da Fearg foi o último. Essa foi a última vez que tocamos essa música nessa versão (bem parecida com a do disco), pois no outro ensaio começamos a ensaiar uma versão bem diferente e que foi apresentada no show.
Essa é uma palinha das nossas chatices e barulheira.
Esse foi o primeiro ensaio depois de 5 ou 6 anos. Não lembrávamos mais das músicas. Ainda assim conseguimos tocar a música inteira, entre brincadeiras, mau contato do baixo do Oscar (com o Charly reclamando) entre outras tonterías (como a frase final do Marcião)!

domingo, 16 de setembro de 2012

Desconfio quando se diz que não há nada de cultural para fazer


Quando as pessoas dizem que não há nada pra fazer em um determinado lugar, em determinada cidade, eu sempre fico pensando o que elas queriam que houvesse. Por exemplo, numa das cidades em que morei e onde ouvi muitas vezes essa frase, eu sabia que havia muita coisa a se fazer. Havia um mar a ser contemplado, ouvido, respirado. Um cais. Havia exposições constantes de quadros, fotografias, esculturas. Havia cinema, e espécies de cineclubes. Havia bares, músicos interessantes que poderiam tocar músicas interessantes (nem que fossem seus amigos, na casa de alguém). Aliás, uma cidade não muito grande onde os amigos poderiam estar por perto. Não fosse tudo-aquilo-que-todo-mundo-tem-que-fazer-sempre-e-que-nunca-deixa-tempo-para-nada.
Sim, sempre temos um monte de deveres a fazer e nunca nos sobra tempo pra diversão, para cultura, algo interessante. Mas as pessoas conseguem fazer coisas interessantes?
Minha teoria é simples. As pessoas dizem que não há nada para fazer, não porque realmente não haja nada para fazer, mas simplesmente por elas não saberem fazer.
               Do que adianta haver exposição de pinturas, se não estamos mais acostumados a perceber a diferença de traços entre artistas? Não sabemos distinguir uma técnica da outra, ou sentir as nuanças de luz de uma tela a outra.
               Qual efeito tem um bar que traz bandas com repertório próprio e inédito, se quando vamos ao bar apenas queremos encher a cara e “azarar” as gurias ou guris? Não sabemos ouvir as músicas, os instrumentos, nem prestamos atenção nas letras. Aliás, sabemos identificar rimas, encontrar ironias, figuras de linguagem ou mesmo referências?
               O prazer está sempre associado a algo “comprável”. A nova tevê onde eu posso movimentar a mão e mudar de canal sem precisar de controle remoto, o novo celular onde eu posso olhar o face ou postar algo no twitter. Tudo isso nos dá prazer. Mas não encontramos prazer em olhar o mar. Olhar a rebentação das ondas, ouvir o marulho, sentir o cheiro da água salgada, sentir na pele a água fria.
               Não estamos dispostos a ficar sentado embaixo de uma árvore ouvindo o farfalhar, percebendo a sombra da folha que vem e vai da frente do nosso olho. Não temos prazer em apenas conversar com um amigo, sobre sonhos, sobre vontades, sobre seus feitos, ouvir como foi seu primeiro dia de aula, quando sentiu medo de verdade, como se deteve na frente do espelho em algum momento da vida em que sentiu orgulho de si mesmo. Hoje só falamos sobre o time de futebol, um pouco de política, dinheiro e claro, pessoas do sexo oposto.
               As músicas não dizem mais nada, não provocam, não deixam enigmas, não nos fazem pensar. Apenas falam de baladas, de danças, de bundas, de camas.
               Quem encontra prazer em ler um livro, uma crônica, algumas notícias de jornal, ou mesmo lê com mais atenção a mensagem de um amigo? Em algum momento estávamos acostumados a ler cartas, e se fossem grandes, melhor ainda. Hoje, os e-mails devem ser curtos, pois ninguém mais tem tempo de lê-los.
               Não estou falando de nostalgia. Não estou falando de como o tempo mudou as coisas, como a vida ficou mais corrida. Estou falando de superficialidade. Estou falando de falta de capacidade de interpretação. Estou falando do gozo delimitado por consumo e sexo.
               Também não estou sendo romântico. Sentar embaixo da árvore daria o mesmo efeito do que sentar embaixo de uma marquise e olhar o descascado do reboco da casa ao lado. não importa muito, na verdade, o que está fora de mim, e sim, como eu leio o que está fora de mim, como isso me constrói, me modifica, me ensina.
               E muito menos estou sendo acadêmico. Quando digo que não sabemos ler uma pintura, por exemplo, não quero dizer que precisamos ter estudado sobre isso. Acredito que na simples observação, cuidadosa e através do tempo, vamos percebendo as coisas. Já vi em muitos documentários e em conversas onde pessoas muito simples e sem estudo davam opinião, analogias e metáforas superiores a grandes poetas eruditos, e definições sobre as relações humanas e em sociedade que não li em grandes teóricos.
               Não é preciso ter uma casa de frente ao mar. Não estou falando em buscar o sonho vendido em filmes norte-americanos ou com os pobres que saem do nada e ficam famosos, geralmente pelo futebol, música ou BBB aqui no Brasil (e que, nas entrevistas para o Faustão sempre nos dizem: não desistam de seus sonhos...).
               Na nossa sociedade de consumo, aquilo que não tem preço significa não ter valor. Ou terá valor se for relacionada com o cartão de crédito que compra todas as outras coisas.
               Mas ainda há aqueles que sabem que há muito a se fazer, em qualquer lugar. Mesmo numa cidade “sem nada a se fazer”, sempre há uma rua, uma árvore, um amigo que compõem, escreve, pinta, ou que ainda tem uma vida rica de acontecimentos para contar e compartilhar.

quarta-feira, 8 de agosto de 2012

hesitação


     Vídeo realizado em exercício prático na oficina de micrometragem, parceria do projeto Audiovisual da UNIPAMPA Jaguarão, do qual sou um dos coordenadores, com a Secretaria de Cultura de Jaguarão e o Coletivo Pédequê? para o SEDA (semana do audiovisual).

      Esse vídeo experimental começou com a exploração da escada do pátio da Casa de Cultura. Fizemos algumas imagens despretensiosas. Depois, fiz uma edição com uma música antiga que eu tinha aqui, de experimentos musicais com o teclado.

     Foram 3 vídeos gravados na oficina.

Em busca do leitor perdido

     Vídeo realizado coletivamente na oficina de micrometragem, parceria do projeto Audiovisual da UNIPAMPA Jaguarão, do qual sou um dos coordenadores, com a Secretaria de Cultura de Jaguarão e o Coletivo Pédequê? para o SEDA (semana do audiovisual).

     


turvo azul


     Mais um dos vídeos realizados numa das oficinas que estamos ministrando no projeto Audiovisual da Unipampa Jaguarão. Essa oficina foi realizada dentro do SEDA (Semana do Audiovisual), evento que acontece em diversas cidades. Em Jaguarão foi uma parceria da Secretaria de Cultura e do pessoal do coletivo PédeQue?

     A oficina foi de micrometragem, ou seja, estávamos pensando em vídeos que tivessem por volta de um minuto. Acabamos gravando 3 e eu fiz a edição depois.






     Esse vídeo partiu de uma exploração do Jarbas, que é professor de artes. Ele fez as imagens e depois eu editei, trabalhando com a velocidade e acrescentando uma música que eu tinha aqui, bem velhinha que eu tinha gravado no teclado.

sábado, 4 de agosto de 2012

A música está mais pobre, comprovação científica.


É isso: estudiosos comprovaram, através de um programa de computador, que a música está mais pobre, mais previsível. O programa é como aquele que ressalta as palavras mais usadas em um texto.  Os cientistas, que são espanhóis, estudaram mais de 450 mil canções, nos estilos rock, pop, hip hop, metal e electrônica. Eles disseram que a música está homogeneizada, com refrãos, melodias e sons cada vez menos originais.

            Primeiro, percebemos que o estudo se deu em músicas que abrangem e tocam em todos os países. Não foram estudadas as músicas folclóricas ou as populares, que em cada país tem um nome, mas que em muitos deles, acabam sendo praticamente a mesma coisa. Não é a toa que muitas músicas do novo (não tão novo) sertanejo brasileiro sejam versões de músicas “campeiras” de países latino-americanos e norte-americano. Da mesma forma, essas novas canções que aparecem aqui no Brasil, como forró, arrocha e o que valha, são muito identificadas com o reggaeton e outras canções populares latino-americanas.

            Segundo, o estudo não se preocupou com as letras.

            Com isso, acredito que a pesquisa espanhola teria sido ainda mais preocupante se houvesse incluído esses gêneros populares e as letras.

            Pode ser que tudo isso seja culpa da globalização, seja culpa da cultura-mundo, expressão utilizada por Gilles Lipovetsky e Jean Serroy. No livro que leva o nome da expressão citada, os autores afirmam que o hipercapitalismo tenta criar um consumidor globalizado sem origem nem tradição. A intenção é de que os mercados diversificados sejam substituídos por um mercado único onde os jovens vejam os mesmos filmes, ouçam as mesmas músicas, dancem as mesmas danças (provavelmente todas que façam menção à relação sexual em sua movimentação, como são os axés, as músicas do teló, os pagodes, os reggaetons e os funks). Se formos avaliar, as grandes indústrias culturais terão cifras sempre maiores a 70% no domínio de produção musical e cinematográfica. Serão sempre 4 ou 5 empresas dominando.

            A mídia tem papel importante nisso, é lógico. Nos EUA as rádios eram protegidas por leis de mercado, sendo proibido que um mesmo grupo fosse proprietário de mais de 7 rádios. Mas, a partir de 1987, isso começou a mudar. O limite passou a 12, depois a 18 e depois ilimitado. Assim, em 1996, um grupo tinha 43 rádios e em cinco anos passou a mais de 1.200. No Brasil, os meios de comunicação estão na mão de umas 15 ou 16 famílias (marinhos, sarneys, abravaneis, sirotskis entre eles).

Frédéric Martel, um francês que passou mais de cinco anos pesquisando sobre a guerra global das mídias e das culturas, afirma que é muito difícil definir o início da música pop, se foi lá em Detroit na Motown, em Nova York na Atlantic, em Hollywood, Nashville ou Miami. Ou mesmo se foi nos anos 1980 com a MTV. Martel afirma que “não importa. A música pop não é um movimento histórico, não é um gênero musical, ela está constantemente sendo inventada e reinventada”. Diz ainda que a expressão surgiu nos anos 1960, numa abreviatura de popular, “de uma cultura, uma música que se dirige a todos e que desde logo se pretende mainstream”.

A empresa citada lá em cima, de 1.200 rádios é a Clear Channel. Segundo Martel, ela ajudou e muito a reeleição do Bush pai e Bush filho (lembrando que no governo deles é que os limites de propriedade de rádio foram desaparecendo). Os programas e as músicas se repetem em todos os canais de rádio, e a rádio está muito identificada com o que chamamos aqui no Brasil de jabá e lá eles chamam de payola. No Brasil, nem preciso dizer que é a mesma coisa. Sempre as mesmas músicas tocando em todos os lugares.

            Pensando em tudo isso, fico com uma dúvida terrível, a la tostines: “a música é homogeneizada por vender mais ou vende mais por ser homogeneizada?”

            Sinceramente, pode ser que a fórmula “que vende” seja a responsável pela homogeneização. Mas acho que essa fórmula mais simples vende por causa, logicamente, de quem compra. Sendo assim, a música é pobre e simples pelo simples motivo de que quem ouve é pobre e simples (não estou falando em questões econômicas, mas sim em questões de cultura, como conhecimentos musicais, artísticos e de interpretação e análise artística).

            Essa homogeneização e simplicidade se encontram em outras artes. Cada vez mais encontramos “artistas” que não conhecem sua arte. Músicos que não conhecem história e teoria musical, pintores que não conhecem história e teoria de pintura e assim por diante. Não saber história e teoria de sua arte não é um impedimento, mas, acredito eu, que seja uma limitação sim. Poucos seres terão a capacidade de inventar a partir do nada.

            De qualquer forma, ainda podemos escapar dessa pasteurização: a internet está aí em nosso favor, nos permitindo pesquisar e divulgar artes mais ricas e diversas. Só temos que lutar contra a pasteurização da internet (o facebook por exemplo é pasteurização, tá todo mundo lá, fazendo e vendo as mesmas coisas), mas isso já é  assunto para outra conversa.



referência da notícia sobre a música:
http://publimetro.pe/entretenimiento/6960/noticia-revelan-que-canciones-pop-son-iguales-desde-anos-50

terça-feira, 19 de junho de 2012

A igreja Universal e a música de fundo.


Lipovetsky fala da civilização do desejo alimentada pelas novas orientações do capitalismo de consumo que, segundo o autor, teria tomado o lugar das economias de produção. Em pouco tempo mudamos nossos valores: “a vida no presente tomou o lugar das expectativas do futuro histórico e o hedonismo, o das militâncias políticas”. A obsessão pelo conforto ficou no lugar das paixões nacionalistas e os lazeres substituíram as revoluções. E aí Lipovetsky diz assim: “Sustentado pela nova religião do melhoramento contínuo das condições de vida, o maior bem-estar tornou-se uma paixão de massa, o objetivo supremo das sociedades democráticas, um ideal exaltado em todas as esquinas”. A coisa ainda piora, pois agora há o hiperconsumo, tema do livro A felicidade paradoxal o qual estou citando.
O que me chamou a atenção foi a questão da “nova religião do melhoramento contínuo das condições de vida”. E é isso: a sociedade de consumo de massa sobrevive vendendo sonhos. Quer dizer, vender não vende, mas vende o que seria o caminho e todos os instrumentos para chegar lá (na realização do sonho).
                Dentro dessa ideia estão aquelas famosas entrevistas com, principalmente, novas celebridades onde se pede uma dica, e a nova celebridade diz: “nunca desista de seu sonho”. O sonho está nas novelas, nas propagandas, nos BBBs e assim por diante.
                E esse sonho é vendido também nas igrejas evangélicas (algumas). Ninguém quer esperar para ser feliz no céu, quando encontrar Deus, como antes as religiões pregavam (vendiam). O pessoal quer é agora. Quer apartamento quitado, carro importado e tudo que se tem direito.
                Mas, na verdade, eu vim falar de uma propaganda da Igreja Universal do Reino de Deus que eu escutei aqui em uma das rádios de Jaguarão. É que eu tenho um grupo de pesquisa que trabalha com rádio e, entre tantos assuntos que estamos pesquisando, tem o dos programas e propagandas religiosas. Tem programas e anúncios de tudo que é religião ou coisa parecida (há de curandeiros...). Muito interessante.
                A propaganda, a que me refiro, tinha um locutor ressaltando o poder dos cultos e o que se poderia conseguir. Chamava aquelas pessoas que estão sofrendo por alguma coisa. Como música de fundo, tinha uma orquestração e um pianinho. Logo reconheci a música e comecei a rir. Eu não sei se é uma auto-homenagem, mensagem subliminar, ou uma brincadeira ou crítica de quem fez a produção da propaganda, mas a música que estava tocando era o tema de O poderoso chefão (The Godfather).
                Pra quem não sabe, O Poderoso chefão é provavelmente o mais famoso filme sobre a máfia. Achei interessante ter essa música como fundo. Sabemos que a música ajuda a comunicar a mensagem.
                Será Edir Macedo o Don Corleone tupiniquim? (eu achava que esse título era do Havelange, mas agora fiquei em dúvida). Na máfia, quem não faz parte da “família” é inimigo e não será protegido. As máfias visam poder e dinheiro. E conseguem isso.
                Quem escolheu a música para a propaganda da IURD eu não sei. Só sei que na hora eu ri. Mas logo depois me deu medo.


 *link para um vídeo caseiro com a música
http://www.youtube.com/watch?v=USdVxq89vJ0

quinta-feira, 7 de junho de 2012

o Gaúcho e o Negro


 No dia 5 de junho, teve mais um sarau do Lalli aqui em Jaguarão. Pela segunda vez, foi realizado na Casa de Cultura (a primeira foi durante a feira do livro do ano passado).
O evento estava muito bacana, com cenário e participações especiais, e com novos alunos participando. O tema era Califórnia da canção, uma homenagem ao festival que já não acontece há alguns anos. Logicamente, o gaúcho foi exaltado e festejado, inclusive para dar uma visão deste ser a alunos de outros cantos do país, como sugeriu a professora Ana Boéssio, a coordenadora do projeto.
Porém, o que me incentivou a uma reflexão e a escrever aqui foi a história da criação da Califórnia, como nos foi contado ali pelo comunicador Cleusomar Almeida. Segundo ele, um grupo colocou uma canção nativista num festival de música realizado no Rio Grande do Sul e alcançaram o terceiro lugar, e em primeiro lugar ficou um samba. Cleusomar comentou então que os autores da canção ficaram descontentes, principalmente por um samba ter sido o vencedor e não uma música daqui, das nossas tradições e por isso criaram um festival só para canções nativistas.
Essa afirmação é que me fez pensar.
Por que a música gauchesca é daqui e o samba não?
Recentemente um documentário (acasaeletrica.doc) defende que o primeiro samba gravado no Brasil foi em Porto Alegre no ano de 1913 (quatro anos antes de Pelo telefone de Donga, gravado no Rio de Janeiro).  A música foi gravada por dois mulatos gaúchos, Geraldo Magalhães e Nina Teixeira, Os geraldos. Essa informação da gravação é só um detalhe. Acontece que o samba, que todos sabem ter a influência da música africana, é só uma parte da cultura influenciada pelo negro, inclusive aqui no Rio Grande do Sul.
Não estou dizendo que o samba surgiu no Rio Grande do Sul, só estou defendendo sua importância e identificação conosco igualmente como em outros lugares. Afinal, o nascido no Rio Grande do Sul é brasileiro também, então não importaria se o samba surgiu no Rio de Janeiro ou em Sapiranga.
Muitos podem afirmar que o Gaúcho (estou falando deste tipo cultural genérico, e não do gentílico para todo e qualquer nascido no Rio Grande do Sul) é uma figura que não é essencialmente brasileira. E nisso eu concordo. O Gaúcho é uma figura transnacional, pois ele está presente na Argentina e no Uruguai também.  Estou inclusive orientando um bolsista de pesquisa sobre isso. Mesmo entendendo a diferença do Gaúcho, não posso entender a afirmação de que só ele é representativo de nossa cultura.
Os CTGs e todas essas tradições, a meu ver, estão identificados apenas com uma parte de nossa população. O gaúcho (nascido no RS) é bairrista, orgulhoso de sua terra e de suas “tradições”, mas eu sinceramente não entendo que todas essas tradições sejam obrigatoriamente compartilhadas. Agora no facebook está uma mania de colocar cartazes com os dizeres assim fala o gaúcho, ou no Rio Grande do Sul é assim, e o pior de todos: desconfio de quem nunca... (fez tal coisa). Parece que somos todos iguais, temos que ser assim e quem não é está errado, não presta, é “ilegal, é imoral ou engorda”.
Não acho a ideia do festival nativista algo ruim. Ajudou muito a fortalecer uma característica cultural e um tipo de manifestação musical. Claro que como tudo, tem prós e contras. Prós: muito músico se sustentava com as ajudas de custo dos festivais, a criação de novas composições era incentivada (e não apenas as músicas cover para animar o baile, como acontece em outros gêneros musicais), mas como contra podemos apontar uma “pequena máfia” (o jurado de um festival dava espaço para os amigos e depois esses amigos, jurados em outros festivais, retribuíam a distinção), além das famosas músicas de festival, aquelas feitas sob medida para o gosto do jurado.
A cultura africana é uma parte da nossa cultura, amalgamada com a europeia e com a indígena. É facilmente identificada na religião e na música, porém outros setores receberam conhecimentos vindos da África, como culinária, engenharia, medicina popular, etc. A música deve muito à nossa porção africana. Ainda que tenhamos esquecido instrumentos como o Sopapo (surgido em Rio Grande e Pelotas), o ritmo está aqui. Nosso samba é bom. E é tão nosso quanto a milonga.
De tudo isso, quero deixar claro que dou valor para a música nativista. Na noite de terça foram lembrados autores e músicas incríveis. Meu incômodo é com a generalização e com a ideia que transparece do discurso tradicionalista de que outra cultura não tem o mesmo valor, ou ainda de que aqui se tem mais orgulho de ser o que se é. Não podemos confundir orgulho com vaidade exacerbada, soberba. O Gaúcho e suas tradições são uma das figuras culturais desta terra chamada Rio Grande do Sul, mas somos mais do que isso.  

terça-feira, 5 de junho de 2012

Festas populares e a crise econômica


Algumas cidades na Espanha pensam em deixar de realizar festas populares para investir em postos de trabalho. Será que a população vai abrir mão das manifestações culturais em nome do emprego? E aqui? Como será que funciona?
Ontem (dia 4 de junho de 2012) assistindo a TVE (Televisión Española) vi que a cidade de Jun (província de Granada) está perguntando a seus munícipes se preferem que a prefeitura deixe de investir nas festas populares e invista esse dinheiro em postos de emprego. O problema é que a média de desemprego na Espanha está mais ou menos em 25%.
O programa mostrou algumas opiniões, gravadas nas ruas, e leu outras em mensagens do twitter. A discussão é bem interessante e já havia sido realizada em outras cidades. A questão principal é que o dinheiro a ser investido é realmente menor do que nos anos anteriores. A cidade em questão, Jun, tem um pouco mais de dois mil habitantes. Segundo o prefeito, no ano passado a prefeitura gastou 50 mil euros com a festa, 25 mil só com músicos. Esse ano, se a festa sair, o gasto com músicos não deve ultrapassar 5 mil euros (e esse seria o dinheiro investido em postos de trabalho).
Entre as opiniões dos habitantes da cidade, apresentadas ou lidas no programa, apareceu muita gente pedindo que a festa continue, mas com menos gastos. Em defesa da festa alguns disseram que ela é para a coletividade e o trabalho para uns poucos. Também ressaltaram a importância cultural (a maioria das festas populares na Espanha são aquelas em que os touros correm atrás das criaturas humanas), e ainda teve uma jovem que disse que a festa é uma das poucas coisas para se fazer na cidade. Ainda defendendo as festas, muita gente ressaltou a questão do setor de espetáculos, feirantes e as orquestras musicais, que para esses setores a festa gera emprego.
Contra as festas não há muito argumento. Alguém perguntou o que era mais importante, trabalho ou lazer? (e fez a pergunta como que afirmando que o trabalho é mais importante e ninguém teria o direito de pensar o contrário). Outra disse que trabalho era mais importante para ela, e só.
Vale ressaltar que o trabalho será oferecido pela própria prefeitura.
Bom, o prefeito até concordou que a festa gera emprego, mas ressaltou que esse emprego é para gente de fora da cidade. Trazem músicos de fora, e os feirantes também são.
Pelo que estão vendo, vai ganhar a continuidade das festas, mas com menos gastos. A população não quis abrir mão da cultura. Isso é importante.
Anos de trabalho com música e arte me mostram que as prefeituras investem mesmo em músicos de fora. Os da cidade, quando tocam, ganham pouco ou nada. O investimento em cultura é sempre negligenciado, principalmente quando, nessas festas, não há espaço para bancas de empresas e comércio. É só olhar o Ondas de Natal em Rio Grande e perceber o que aconteceu. Arte e cultura, se não derem visibilidade imediata ou não disponibilizarem um espaço para os “colaboradores”, não ganham investimento. Triste é ver como em alguns casos se perde totalmente a questão cultural da festa e se deixa apenas vitrine de negócios. Ao meu ver, é o que vem acontecendo em praticamente todas as feiras e festas de Rio Grande e região. Mas isso é conversa para um outro texto...
               

domingo, 3 de junho de 2012

Literatura em perigo (nº 2)*


Esses dias fiz um comentário com uns bolsistas de pesquisa meus que os deixou estupefatos. Fiz uma crítica ao estudo da literatura e os dois, como amantes da literatura ficaram horrorizados. Fiz como provocação e depois expliquei meio por cima. Mas resolvi escrever aqui, pois a crítica pode ter horrorizado a eles, mas a mim também, por decepção, por desacreditar. Eu sempre fui um amante da literatura e da criação literária.
Na verdade, me sinto bastante frustrado ao não ver um caminho, um percurso de estudo a seguir. São sempre os mesmos assuntos, as mesmas análises e o pior de tudo, as mesmas obras. E não sai disso, não sai de dentro da obra. O que é estranho, pois buscam as relações em todo o contexto de feitura e de leitura da obra, em alguns casos.  Minha maior crítica é uma falta de função do estudo da literatura. Fica uma discussão entre os mesmos, sobre os mesmos assuntos. Não sai daquele círculo. Enquanto isso, o mundo vai mudando, as pessoas se afastando da literatura, da criação, da análise. Quero deixar claro que ainda acredito em tudo isso: sei a função da arte, e da literatura. Mas não quero vê-la sendo praticada pelas mesmas senhorinhas, senhores e gurizada metida a culta (não gosto muito de generalizações, mas às vezes é bom pra provocar).
Provavelmente essa minha opinião é só um descontentamento momentâneo e preparatório para reflexão e ação.
Mas é que aqui na volta, onde posso aprofundar meu estudo em literatura, há o doutorado em História da Literatura da FURG (onde me graduei) e o Teoria da Literatura na PUCRS (onde fiz o mestrado). Na história da Literatura, achei que eu pudesse puxar algo relacionado com a educação, até porque a literatura trabalhada no ensino médio (lugar da literatura na escola) é essencialmente história da literatura. Mas aqui não se preocupam com isso, então nem fiz projeto nenhum pra tentar entrar. Na PUC quase entrei, mas na opinião da banca eu fiz um projeto grande pois eu tinha me proposto a escrever um romance e um roteiro ao mesmo tempo. Na entrevista ao dizerem que seria algo muito grande, diminuí pra escrever um roteiro. Mas na verdade acho que 4 anos (tempo de doutorado) é um tempo muito grande pra só escrever um roteiro. Posso estar errado, mas acho que eu poderia fazer as duas coisas. E por isso mesmo estou fazendo isso, há um mês. Dia primeiro de maio comecei um blog (que está fechado para alguns amigos, colegas e alunos) onde estou tendo as idéias da história, e pensando reflexiva e teoricamente sobre a criação do romance e do roteiro, que vão contar a mesma história mas cada um com suas peculiaridades artísticas. O projeto tinha outros problemas, ainda mais que eu fiz meio em cima da hora (mudei a ideia em cima do laço), além de eu não ter dedicação exclusiva para o estudo, mas o blog que estou escrevendo provavelmente seja um experimento meu pra ver se tenho esse pique.
Porém, me preocupou bastante saber de uma colega que faz mestrado na PUC, que houve uma discussão sobre a divisão das bolsas de pesquisa. O debate era que professores de outras linhas de pesquisa estavam “defendendo” que os alunos de escrita criativa não poderiam ganhar bolsa pois não era pesquisa. Como pode um estudioso de literatura achar que escrever não tem relação com a pesquisa, ainda mais como isso é realizado na pós-graduação, que é sempre embasada reflexiva e teoricamente? Quem defendeu isso estava numa defesa estritamente de sua produtividade científica, de conseguir mais bolsistas e não deu valor nenhum à LITERATURA. Não existe análise literária sem que antes haja a criação da obra. Ponto final.
Esse mesmo pensamento parece existir na História da Literatura. O que iria acontecer se a literatura parasse de ser feita, o que esses estudiosos iriam escrever, sobre o quê, do que viveriam, como seriam seus congressos sem objeto de estudo? Daí eu percebi que eu sou realmente muito ingênuo, pois não aconteceria nada. Nada mudaria. Os literatos em sua maioria não precisam da literatura nova, estão escrevendo sobre os mesmos autores, os mesmos livros e se bobear, têm escrito os mesmos artigos durante toda uma vida.
Onde vão trabalhar esses doutores em História da Literatura? Numa empresa? Numa grande multinacional? Num canal de televisão? Numa instituição voltada a pesquisa? Não, nada disso. O trabalho para um professor Doutor em Literatura é ser professor em uma universidade. E esse professor em universidade vai mostrar sua leitura a estudantes de filosofia? De engenharia? De medicina? De história, biologia, administração, economia? Não, professor de literatura dá aula em curso de letras, e a grande maioria dos cursos de letras no Brasil são licenciatura. Bacharelado é voltado a revisão, tradução, coisas assim. Não se forma críticos para empresas de comunicação. Alguns podem exercer essa atividade, mas poucos. E não como algo único. Então, invariavelmente o doutor em literatura será professor de estudantes que estão ali para serem professores de letras, de literatura. Então como pode não haver preocupação nenhuma com o ensino de literatura? Será isso uma certa tentativa de dar um outro valor a suas próprias atividades? Parece um certo preconceito com sua própria função. Eu via muito isso quando estudante e como professor de letras.
É uma pena, mas a desvalorização praticada pela sociedade acaba se identificando nos próprios profissionais da área.
De minha parte, estou aproveitando o susto dado nos alunos e propondo que apresentem o resultado da pesquisa através da criação de conto. Vamos ver. Por outro lado, ainda ressalto o valor da linha de escrita criativa da PUCRS e ressalto alguns trabalhos que estou vendo aqui pela FURG com autores novos. Só espero que não continuem circulando somente nas comunicações e servindo para fazer linha no lattes.



* O título desse texto é o mesmo do livro do Todorov, mas não foi baseado nele (mesmo que eu tenha lido e gostado bastante)