Tomou a mão do
filho. Primeira vez que iria com ele ao colégio. Depois de um mês desempregado
e sem perspectivas, a mulher decidiu que ele poderia ajudar mais em casa e com
o filho.
Tomou o filho
pela mão. Caminharam pelas quatro quadras até chegar à escola. Percebeu nesse
momento o que já havíamos dito: era a primeira vez que iria com o filho até o
colégio dele. O guri estava quase no fim da primeira série. O pai nem conhecia
a escola ainda.
Quando o guri
fez uma pergunta ao pai, que pensava absorto, e depois quando repetiu mais alto
e o puxou pela mão, o pai olhou para a criança. Uma estranha sensação, um
desconhecimento. Em outro momento de vida, teve esse desconhecimento ao se
olhar no espelho. Aquele momento que todos nós temos, de ver nosso reflexo no
espelho e não conhecer a pessoa, não reconhecer a pessoa, não perceber que
somos nós que estamos lá dentro. Dessa vez, sem espelho, tinha o filho ali.
Surgido dele, por ele. Mas quem era ele (quem era o filho, quem era ele
próprio?).
Segundos ou milésimos
de segundos depois do estranhamento, a revelação. A revelação não vem formulada
em frase ou resposta. A revelação não vem em imagem. Ela vem num todo,
completo, num inexplicável conhecimento que transforma o já sabido e tudo que
se virá saber.
O portão da
escola logo ali. O pai sentia vontade de não largar a mão do filho. Pela mão,
tomava o filho, tomava a vida do filho e a sua própria. Como largar-se no exato
instante em que tudo faz sentido.
Um pouco a
frente do portão da escola, um homem grisalho, mas não muito velho. E sem que o
pai percebesse o filho lhe largou a mão e cumprimentou o senhor dizendo: “ó,
meu pai”. O senhor sorriu para o pai, que ainda sentindo a falta da mão sorriu
de volta.
O guri entrou,
o pai ficou na porta por cinco minutos, até todos entrarem. O guri já tinha
desaparecido dentro da escola havia muito. “Primeira vez aqui né?” o pai
assustado olha para o porteiro e responde, “sim, primeira”. “Ele está bem aqui,
cuidamos muito bem deles”. O pai sorriu, realmente acreditando. “Vem, vamos dar
uma olhada na escola”. O pai seguiu o porteiro, sem saber o motivo de ter
seguido. O porteiro foi mostrando as dependências físicas, comentando sobre
atividades, sobre professores e professoras, sobre a direção, chegou a
apresentar a responsável pela merenda. Entre uma coisa e outra, ele dizia ao
pai sobre como foi importante aquela escola na vida dele. Não havia estudado
ali, e sim seus filhos. Um deles agora era professor na escola, trabalhavam
juntos. "Eu acompanhei um grande número de professores, de crianças. Alguns a
gente sabe por onde anda, marcaram a vida da gente. O corretor de imóveis de
quem comprei, finalmente, a minha casa própria foi aluno aqui e eu vi
crescer”. O pai olhou, nesse exato momento para o porteiro e este, percebendo o
susto disse, “sim, eles crescem, vão embora e a gente vai junto, mas sem ir, o
senhor entende?” O pai fez que sim com a cabeça.
Ao sair pelo
portão, o pai olhou para o senhor, e disse: “obrigado pelo tour, professor”, e
o senhor respondeu “sou só o porteiro”, e o pai completou “sim, obrigado
professor”.